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quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Entrevista à pesquisa do arq. Maurício Fridman - 1977

TEXTO ELABORADO ATRAVÉS DE ENTREVISTA FEITA JUNTO AO ARQUITETO VICENTE BICUDO


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Fluxograma de Bicudo

Após a síntese apresentada no fluxograma acima, sobre o desenvolvimento de um produto, passaremos a uma análise do mercado de consumo no Brasil em linhas gerais.
O desenvolvimento de um produto visa atender um consumidor; normalmente se esquece que visa também a atender o patrão, o intermediário, o comerciante e os meios de produção. A fim de que um produto seja industrializado, faz-se necessário que haja uma grande demanda de consumo, o que compensará essa industrialização.
Outrossim, existe uma pequena faixa junto ao mercado consumidor, com poder aquisitivo altíssimo, e que exige um produto tão sofisticado, com custo tão alto, que não tem condição de ser industrializado.
O grande problema da indústria é, portanto, ter consumo; se o mercado não tem poder aquisitivo, a indústria, mesmo que tenha o produto, não terá consumo. Se todo um país paga baixos salários ao seu povo, o poder aquisitivo desse povo se traduz em nada; o povo, no fim, não vai consumir o que estas indústrias vão produzir; logo, a única solução é exportar; a crise brasileira se passa "a meu ver" desta forma. Se levantássemos um pouco o poder aquisitivo do povo brasileiro, a nossa indústria não teria capacidade de suprir o nosso mercado consumidor.
Tendo-se uma grande quantidade de consumo, conseqüentemente, vai-se ter a possibilidade de uma grande quantidade de produção com custos unitários menores.
Uma definição de desenho industrial dada pelo meu patrão é que o seu propósito fundamental é criar valor, adicionando mais valor ao material, que é o seu custo; uma boa medida de um bom desenho é o grau em que esse valor é criado, ou seja, á medida que o valor real excede o custo.
Outrossim, quanto maior for a faixa que você tem de mercado para o seu produto, mais você vai poder ter quantidade para oferecer a ela; então você terá um custo unitário (incidente de projeto, ferramental, transporte, etc.) muito mais baixo.
Para produtos de grande consumo, a propaganda é desprezível; gastam-se rios de dinheiro em propagandas de produtos de quantidade astronômicas de produção. Então o custo da propaganda é desprezível. Porém se você produz pequena quantidade, o custo da propaganda é violento.
Quanto ás fabrica de móveis, você não pode comparar o custo de uma Herman Miller, de uma Forma, de uma Oca, com uma Securit, uma Simon, ou uma Jepime, desde o nível do catálogo. Entretanto, o que ganha por mês o vendedor da Forma ganha o da Jepime. Toda a parte de catálogos, embalagem e tudo o mais que envolve a comercialização é muito mais alta num produto que se destina a classe "C". Aliás, a nossa maior quantidade de consumo está na classe "C", ao passo que a faixa de grande mercado consumidor que existe nos EUA é a classe "B".
Para nós, então, que não temos o mercado consumidor industrial alto, de forma a possibilitar um custo unitário baixo de nosso produto, a solução é exportarmos para a classe "B" dos EUA.
Agora, vamos analisar o nosso mercado. A classe "A" pode ser caracterizada pelas fábricas de móveis Herman Miller, Oca, Forma, L'Atelier. A Classe "B": Hobjeto, Lafer, Mobilíniea. A classe "C": Securit, Cimo, Jepime e Probel. Acima da classe "A", atendendo ao mercado que não é industrial, você tem as lojas de decoração: Terri Adriana, Soleil e Florença. Quem vai vender um produto da Oca ou Forma, vai anunciar na Revista Status, Vogue, Folha de São Paulo, Time; quem vai anunciar um produto da classe "B", anuncia no Jornal da Tarde, Cláudia, Ele e Ela, Veja. Para a classe "C", colocaríamos as lojas tipo Gabriel Gonçalves, Sears, Mappin, Mesbla e Marabrás. Vamos colocar assim as características dos consumidores: na classe "A" o sujeito lê Morris West, Herman Hess; na classe "B", Joaquim Manuel de Macedo, Nelson Rodrigues, José Mauro de Vasconcelos e José de Alencar; na classe "C" deve haver muitas pessoas ligadas na faixa de Melodias e Notícias Populares.
Na classe acima da "A", no metal, por exemplo, você tem o aço inox nos móveis. Na classe "A", eles são feitos em latão cromado. Na classe "B", é o ferro cromado (latão cromado não enferruja, o ferro sim). Na classe "C" ele já é de ferro pintado. Abaixo da "C", já é enferrujado, é o uso do objeto usado. Então, para fazer um produto você tem que ter consciência disso; você não vai fazer um produto que tenha estrutura de aço inox com forração de napa plástica; vocês não vai fazer uma estrutura em ferro cromado em estofamento de couro, a não ser que seja um couro inferior; você não vai fazer couro com duraplac, você faz couro com cerejeira folheada, encabeçada. No produto industrial, você não tem mais condições de fazer maciço de jacarandá ou maciço de cerejeira; o custo unitário seria altíssimo e a fonte que dispõe de matéria-prima seria deficiente para o mercado industrial. O acabamento tem que acompanhar a qualidade do material.
Na pirâmide de consumo, a classe "A", percentualmente, é igual a 1% do mercado consumidor. A classe "B" representa 15% e a classe "C" o resto do mercado industrial. Então se você tem uma grande indústria, ela nunca vai produzir para a classe "A"; ela só poderá ser dirigida para a classe "C". Uma indústria grande pode perfeitamente fazer um bom produto para a classe "A", porém, quem iria comprá-lo? Geralmente as grandes indústrias, as melhores aparelhadas, são as que produzem para a classe "C". A classe "A" é um artesanato. A classe acima da "A" é puramente artesanato, e indisciplinadamente, às vezes, trabalha sem desenho; o protótipo já é o próprio produto final de consumo; não é nunca um desenho industrial preparado com todo o envolvimento e não tem condições de absorver o custo de um "designer"; então, a classe "A", para absorver um custo de projeto, tem um "design" importado.
O que nós gastamos em importação de tecnologia, paga através de "royalties", licenças, compra de patentes, etc. é uma quantidade assustadora.
Se lá fora corre o dinheiro e aqui sabemos que a indústria brasileira na sua maioria é dependente de tecnologia externa, como também é de capital externo, e por múltiplas razões, controla a nossa tecnologia, então o nosso ritmo de desenho industrial não é tanto quanto a nossa imaginação alcança; as nossas possibilidades, acredito, é que não são boas. O nosso grande mal, ao enfrentar essa corrida mundial, é a falta de formação de quadros de pessoas de competência. Quando se forma uma pessoa que atinge um nível técnico alto, ela vai trabalhar no exterior, pelas condições que lá se lhes dão.
A gente sente um limite na perspectividade do desenvolvimento, em função da perspectiva fechada, limitada, do nosso desenvolvimento tecnológico; uma coisa é dependente da outra e todas elas são dependentes da nossa falta geral de instrução, de formação de quadros, desde os executivos das indústrias, os quais geralmente eram lojistas e não estavam preparados para serem executivos, até os próprios dirigentes. Enfim, analisando-se, a incompetência é o denominador comum.
Nós progrediremos bastante nestes últimos cinco anos, porém, lá fora, progrediu-se muito mais e, se há uma corrida, nós também estamos correndo, mas lá fora eles estão correndo muito mais e nós estamos ficando cada vez mais para trás, sendo que para mudarmos isto, a única saída é um comportamento diferente de nossa parte somado à uma grande dose de educação. E isto não depende da gente, infelizmente. Veja que, com mais educação, ou melhor, instrução, o poder aquisitivo aumenta, a faixa de mercado se aprimora; tudo você consegue através da educação, até mesmo os meios de comunicação, que nós aqui desenvolvemos e foi fundamental.
Infelizmente, no Brasil, a educação e o estudante se ressentem de ter à frente deles uma geração predominante de empresários e políticos com formação universitária, apesar que as deficiências que temos são devidas à gravidade do atual momento desenvolvimentista.