TEXTO ELABORADO ATRAVÉS DE ENTREVISTA FEITA JUNTO
AO ARQUITETO VICENTE BICUDO
clique na imagem para ampliar
Fluxograma de Bicudo
|
Após a síntese apresentada no fluxograma acima,
sobre o desenvolvimento de um produto, passaremos a uma análise do mercado de
consumo no Brasil em linhas gerais.
O desenvolvimento de um produto visa atender um
consumidor; normalmente se esquece que visa também a atender o patrão, o
intermediário, o comerciante e os meios de produção. A fim de que um produto
seja industrializado, faz-se necessário que haja uma grande demanda de consumo,
o que compensará essa industrialização.
Outrossim, existe uma pequena faixa junto ao
mercado consumidor, com poder aquisitivo altíssimo, e que exige um produto tão
sofisticado, com custo tão alto, que não tem condição de ser industrializado.
O grande problema da indústria é, portanto, ter
consumo; se o mercado não tem poder aquisitivo, a indústria, mesmo que tenha o
produto, não terá consumo. Se todo um país paga baixos salários ao seu povo, o
poder aquisitivo desse povo se traduz em nada; o povo, no fim, não vai consumir
o que estas indústrias vão produzir; logo, a única solução é exportar; a crise
brasileira se passa "a meu ver" desta forma. Se levantássemos um
pouco o poder aquisitivo do povo brasileiro, a nossa indústria não teria
capacidade de suprir o nosso mercado consumidor.
Tendo-se uma grande quantidade de consumo, conseqüentemente,
vai-se ter a possibilidade de uma grande quantidade de produção com custos unitários menores.
Uma definição de desenho industrial dada pelo meu
patrão é que o seu propósito fundamental é criar valor, adicionando mais valor
ao material, que é o seu custo; uma boa medida de um bom desenho é o grau em
que esse valor é criado, ou seja, á medida que o valor real excede o custo.
Outrossim, quanto maior for a faixa que você tem de
mercado para o seu produto, mais você vai poder ter quantidade para oferecer a
ela; então você terá um custo unitário (incidente de projeto, ferramental,
transporte, etc.) muito mais baixo.
Para produtos de grande consumo, a propaganda é
desprezível; gastam-se rios de dinheiro em propagandas de produtos de
quantidade astronômicas de produção. Então o custo da propaganda é desprezível.
Porém se você produz pequena quantidade, o custo da propaganda é violento.
Quanto ás fabrica de móveis, você não pode comparar
o custo de uma Herman Miller, de uma Forma, de uma Oca, com uma Securit, uma
Simon, ou uma Jepime, desde o nível do catálogo. Entretanto, o que ganha por mês
o vendedor da Forma ganha o da Jepime. Toda a parte de catálogos, embalagem e tudo
o mais que envolve a comercialização é muito mais alta num produto que se
destina a classe "C". Aliás, a nossa maior quantidade de consumo está
na classe "C", ao passo que a faixa de grande mercado consumidor que
existe nos EUA é a classe "B".
Para nós, então, que não temos o mercado consumidor
industrial alto, de forma a possibilitar um custo unitário baixo de nosso
produto, a solução é exportarmos para a classe "B" dos EUA.
Agora, vamos analisar o nosso mercado. A classe
"A" pode ser caracterizada pelas fábricas de móveis Herman Miller,
Oca, Forma, L'Atelier. A Classe "B": Hobjeto, Lafer, Mobilíniea. A
classe "C": Securit, Cimo, Jepime e Probel. Acima da classe
"A", atendendo ao mercado que não é industrial, você tem as lojas de
decoração: Terri Adriana, Soleil e Florença. Quem vai vender um produto da Oca
ou Forma, vai anunciar na Revista Status, Vogue, Folha de São Paulo, Time; quem
vai anunciar um produto da classe "B", anuncia no Jornal da Tarde, Cláudia,
Ele e Ela, Veja. Para a classe "C", colocaríamos as lojas tipo
Gabriel Gonçalves, Sears, Mappin, Mesbla e Marabrás. Vamos colocar assim as características
dos consumidores: na classe "A" o sujeito lê Morris West, Herman
Hess; na classe "B", Joaquim Manuel de Macedo, Nelson Rodrigues, José
Mauro de Vasconcelos e José de Alencar; na classe "C" deve haver
muitas pessoas ligadas na faixa de Melodias e Notícias Populares.
Na classe acima da "A", no metal, por
exemplo, você tem o aço inox nos móveis. Na classe "A", eles são
feitos em latão cromado. Na classe "B", é o ferro cromado (latão
cromado não enferruja, o ferro sim). Na classe "C" ele já é de ferro
pintado. Abaixo da "C", já é enferrujado, é o uso do objeto usado. Então,
para fazer um produto você tem que ter consciência disso; você não vai fazer um
produto que tenha estrutura de aço inox com forração de napa plástica; vocês não
vai fazer uma estrutura em ferro cromado em estofamento de couro, a não ser que
seja um couro inferior; você não vai fazer couro com duraplac, você faz couro
com cerejeira folheada, encabeçada. No produto industrial, você não tem mais
condições de fazer maciço de jacarandá ou maciço de cerejeira; o custo unitário
seria altíssimo e a fonte que dispõe de matéria-prima seria deficiente para o
mercado industrial. O acabamento tem que acompanhar a qualidade do material.
Na pirâmide de consumo, a classe "A", percentualmente,
é igual a 1% do mercado consumidor. A classe "B" representa 15%
e a classe "C" o resto do mercado industrial. Então se você tem uma
grande indústria, ela nunca vai produzir para a classe "A"; ela só
poderá ser dirigida para a classe "C". Uma indústria grande pode
perfeitamente fazer um bom produto para a classe "A", porém, quem
iria comprá-lo? Geralmente as grandes indústrias, as melhores aparelhadas, são
as que produzem para a classe "C". A classe "A" é um
artesanato. A classe acima da "A" é puramente artesanato, e
indisciplinadamente, às vezes, trabalha sem desenho; o protótipo já é o próprio
produto final de consumo; não é nunca um desenho industrial preparado com todo
o envolvimento e não tem condições de absorver o custo de um
"designer"; então, a classe "A", para absorver um custo de
projeto, tem um "design" importado.
O que nós gastamos em importação de tecnologia, paga
através de "royalties", licenças, compra de patentes, etc. é uma
quantidade assustadora.
Se lá fora corre o dinheiro e aqui sabemos que a
indústria brasileira na sua maioria é dependente de tecnologia externa, como
também é de capital externo, e por múltiplas razões, controla a nossa
tecnologia, então o nosso ritmo de desenho industrial não é tanto quanto a
nossa imaginação alcança; as nossas possibilidades, acredito, é que não são
boas. O nosso grande mal, ao enfrentar essa corrida mundial, é a falta de
formação de quadros de pessoas de competência. Quando se forma uma pessoa que
atinge um nível técnico alto, ela vai trabalhar no exterior, pelas condições
que lá se lhes dão.
A gente sente um limite na perspectividade do desenvolvimento,
em função da perspectiva fechada, limitada, do nosso desenvolvimento tecnológico;
uma coisa é dependente da outra e todas elas são dependentes da nossa falta
geral de instrução, de formação de quadros, desde os executivos das indústrias,
os quais geralmente eram lojistas e não estavam preparados para serem
executivos, até os próprios dirigentes. Enfim, analisando-se, a incompetência é
o denominador comum.
Nós progrediremos bastante nestes últimos cinco
anos, porém, lá fora, progrediu-se muito mais e, se há uma corrida, nós também
estamos correndo, mas lá fora eles estão correndo muito mais e nós estamos ficando
cada vez mais para trás, sendo que para mudarmos isto, a única saída é um
comportamento diferente de nossa parte somado à uma grande dose de educação. E
isto não depende da gente, infelizmente. Veja que, com mais educação, ou
melhor, instrução, o poder aquisitivo aumenta, a faixa de mercado se aprimora;
tudo você consegue através da educação, até mesmo os meios de comunicação, que
nós aqui desenvolvemos e foi fundamental.
Infelizmente, no Brasil, a educação e o estudante
se ressentem de ter à frente deles uma geração predominante de empresários e
políticos com formação universitária, apesar que as deficiências que temos são
devidas à gravidade do atual momento desenvolvimentista.