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quarta-feira, 25 de julho de 2012

Debate Sobre Política Industrial na Área de Defesa Nacional – Programa F-X na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados





Da direita para a esquerda:  Eng. João Verdi de Carvalho Leite,  Brig. do Ar Fernando Antonio Fernandes Cima,  Ten. Brig. do Ar Reginaldo dos Santos,  Ten. Brig. do Ar Carlos de Almeida Baptista, Dep. Hélio Costa,  Dr. Henrique Rzezinski e Vicente Bicudo falando.

Para ler na íntegra a Ata de Audiência Pública da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, clique aqui.



Brasília, 18 de outubro de 2001.

Autoridades Presentes:

- Tenente-Brigadeiro-do-Ar CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA: Comandante da Aeronáutica;

 - Dr. HENRIQUE RZEZINSK: Vice-Presidente de Relações Externas da Empresa Brasileira de Aeronáutica – EMBRAER;

- Tenente-Brigadeiro-do-Ar REGINALDO DOS SANTOS: Diretor do Departamento de Pesquisas e Desenvolvimento da Aeronáutica;

- Dr. VICENTE BICUDO: Assessor para Assuntos Estratégicos da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil – CGT;

- Brigadeiro-do-Ar FERNANDO ANTONIO FERNANDES CIMA: Presidente da Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate;

- Engenheiro JOÃO VERDI DE CARVALHO LEITE: Presidente da AVIBRÁS Indústria Aeroespacial (convidado a participar da Mesa pelo Presidente ao longo da Reunião).

Texto extraído das respostas fornecido pelo Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação da Câmara dos Deputados.

(...)

O SR. VICENTE BICUDO – Cumprimento os presentes e agradeço aos senhores o convite. Represento o Sr. Antônio Neto, Presidente da CGT no Brasil, que, em razão de compromisso inadiável de representação no fórum, não pôde comparecer.
Primeiramente, falo da felicidade de participar desta reunião, bem plantada, como muito bem mencionado pelo brigadeiro Baptista, pelo Deputado Marcelo
Barbieri na véspera dos 19 de outubro data em que se comemora o centenário da dirigibilidade. Foi Santos Dumont, há 100 anos, a se completarem amanhã, que, em Paris, ganhou o Prêmio Deutsch, criado pelo Barão Deutsch de La Meurthe. Partindo de um determinado ponto em Saint-Cloud, contornou a Torre Eiffel e voltou ao ponto de origem em menos de trinta minutos, e o prêmio foi-lhe concedido. Tratava-se de prêmio valiosíssimo, que Santos Dumont gastou da seguinte maneira: deu metade para os funcionários que o ajudaram, e a outra metade deu ao Chefe de Polícia de Paris, que pagou a devolução das ferramentas dos pobres de Paris, que estavam penhoradas.
Foi o segundo prêmio que Santos Dumont ganhou, mas foi a primeira façanha de dirigibilidade aérea da história da humanidade. O Pai da Aviação, em 1906, fez o primeiro vôo em aeronave mais pesada do que ar, o que uniu o mundo.
O avião foi a invenção mais importante dos últimos séculos para a humanidade, porque encurtou as distâncias. E foi uma conquista brasileira, como a EMBRAER, essa grande empresa exportadora que tanto nos orgulha, geradora emprego e tecnologia, como bem disse o brigadeiro Baptista. Além disso, a EMBRAER ajuda outros segmentos industriais do País. Portanto, é importante comemorarmos, no dia 19 de outubro, esses dois destaques, a EMBRAER e o centenário da dirigibilidade aérea.
Observo a política industrial com uma lente um pouco maior do que a do brigadeiro Baptista, porque tivemos a oportunidade de adquirir uma ampla vivência no setor.
Vou falar do velho Ford. Quando nasceu a indústria, os operários não tinham descanso semanal nem férias, que dirá décimo terceiro. Não havia regras estabelecendo oito horas diárias de trabalho, nem hora extra, nada disso.  A indústria, é claro, causou tumultos. O Congresso americano considerou que a indústria atrapalhava socialmente o País. Ford foi ao Congresso enfrentar a situação, do mesmo modo como aqui estamos, e disse: "Tomem as minhas máquinas e construirei outras não tão obsoletas; tomem as minhas fábricas  e construirei outras mais modernas; mas me deixem os operários. Com a experiência deles construirei a Ford do futuro".
A formação de uma equipe qualificada, especializada, como a de todo o segmento bélico, aeronáutico ou aeroespacial, não se realiza em dez anos. As oficinas das nossas companhias aéreas estão cambaleando, porque pagam 36% de impostos e competem com as companhias estrangeiras, que pagam apenas 9%. Além disso, empresas como a VASP, a VARIG e a TAM dispõem de um parque de manutenção que representa um patrimônio de recursos humanos e de equipamentos. Tais recursos podem ser mobilizadas em caso de emergência, desde que as empresas sejam mantidas. Temos de nos lembrar, no momento em que anexamos o problema de recursos humanos à segurança nacional, do parque de manutenção das companhias aéreas. As oficinas de manutenção são tão boas que a GE comprou a da VARIG no Galeão, bem como a oficina de motores CELMA em Petrópolis. A GE adotou essa política em todo o mundo, e comprou oficinas da British Airways e de outras empresas na Europa. Trata-se de uma questão de política industrial. Nesse setor, cito como exemplo o campo ferroviário. Ora o Governo compra, ora não; são criadas fábricas para atender a um pedido; operários fazem cursos de especialização; é contratada mão-de-obra para fazer horas extras para cumprir determinado prazo, e depois os funcionários são dispensados. Tal desequilíbrio gera um alto custo, e quem paga é o Governo. É o povo quem paga pela falta de planejamento.
Na indústria aeroespacial também há carência de planejamento. Conforme conversávamos há pouco com o brigadeiro Cima, é necessário manter principalmente o desenvolvimento de projetos de recursos humanos, dar continuidade à equipe que vai enxergar o futuro e levar toda a tropa à frente. O progresso estará descortinando novos horizontes e equipando, estruturando a Nação. Falta política industrial. Só me lembro de ter participado de um projeto nesse sentido, e como mero desenhista, quando de alguns projetos do Instituto Superior de Estudos Brasileiros — ISEB, implantado à época do Governo Juscelino. Houve também o grupo de planejamento formado por Diogo Gaspar durante o Governo Estadual Carvalho Pinto. Temos, por exemplo, cooperativas agrícolas, mas não existe legalmente nenhum estatuto para cooperativa industrial. Isso baixaria os custos de produção para a pequena e a microempresa. Mesmo na indústria aeroespacial há setores, como, por exemplo, o de fibra de carbono, que necessitam de mão-de-obra qualificada intensiva, o que gera bastantes empregos. A especialização é feita às vezes em pequenas empresas. Nos Estados Unidos há diversos minors groups, empresas pequenas, que se juntam em cooperativas. Aqui, falta não só a cooperativa como também a política industrial. Por exemplo, a Metal Leve, do empresário José Mindlin, fabricava pistões para aeronaves e exportava inclusive para os Estados Unidos, dentre outros países. Com a entrada das multinacionais no campo automobilístico, com o grosso do faturamento da Metal Leve, o próprio Mindlin afirmou que vendeu a empresa para não ter de fechá-la, como aconteceu com a Kasinsky/Cofap com a CTE-Teperman, cuja parte técnica comandei. Fechamos. Com todo o esforço tecnológico, entrou uma fábrica especializada em pistões de fora, no caso da Metal Leve — mas fazer pistão para aeronave não é interessante, porque a matriz lá fora não contempla essa política. Ficamos, portanto, aleijados por falta de uma gestão, de um planejamento estratégico de nossa política industrial, do que carecemos. Espero que esta iniciativa dos Deputados Barbieri e Hélio Costa seja um nascedouro, que esta Mesa seja o berço do futuro nesta terra de Santos Dumont, e que se contemplem os esforços de indústrias pequenas como a PRONOR, que desenvolve compostos plásticos do óleo da mamona. Como V.Exa. bem lembrou, nosso VLS, Veículo Aeroespacial, é feito com plástico biodegradável,  e provavelmente, pelo que sei e ouvi da NASA, é o único foguete espacial com essa tecnologia. A PRONOR está fazendo a tinta que impede que o veículo ou a embarcação seja detectada pelo sonar. Está desenvolvendo também a não detecção por radar. Tudo isso é desenvolvido pelos nossos recursos humanos. Entretanto, observamos que no CTA e no ITA profissionais com profundo conhecimento tecnológico, que podem gerar empregos e desenvolvimento para este País, aposentam-se com 1.200 reais por mês. No CTA e no ITA, quem possui PhD ou até mais alta formação tem salários muito baixos. Esta Nação precisa plantar para colher, apostando no homem que a constrói.
Agradeço a todos, e declaro que nossos empregos e nossa segurança estão principalmente em nossos recursos humanos. Também em relação aos empregos há total carência de política salarial, principalmente no CTA, que é o berço gerador de toda essa tecnologia.
Era o que tinha a dizer.

(...)

SR. PRESIDENTE (Deputado Hélio Costa) – (...)

O Dr. Vicente Bicudo havia me pedido a palavra e, ao concedê-la, pergunto a S.Sa. se a Boeing e a McDonald Douglas sobreviveriam nos Estados Unidos sem os contratos militares?

SR. VICENTE BICUDO – É mais fácil começar pelo último. O próprio Governo de lá tem um planejamento estratégico. Vejam, do 14 Bis, Santos Dumont,1906 ao Concord, decorreram 60 anos. Do Concord para cá, acabou a competição entre as indústrias — a Douglas, a Boeing, a Northrop —, porque o governo passou a fazer um papel de maestro com a NASA, provendo os programas, como muito bem tem observado o brigadeiro Cima, e a destacar — aí é que digo que não há concorrência — a General Dynamics para um programa, a Northrop para outro, a Boeing para outro. É mantido o estado industrial latente presente e de prontidão, a indústria operando. Essa política industrial, regida hoje pela NASA, desde 1966 que não entrou como o russo, não fez réplica do Concord; passou a desenvolver o hipersônico, que no mês passado foi testado e, por falha do motor Pegasus, caiu no Pacífico. Então, passou-se a desenvolver projeto único de capacitação geral. Mesmo com todo aquele mercado americano, eles descobriram que a maior distância percorrida pelo novo hipersônico em todo o mundo não será superior a 1 hora e 30 minutos. Em seminário que participei na Boeing, disseram que nossas praias, com areia fina que não fere o pé e com águas quentes, são únicas no mundo. Então, esse avião inventará o vôo internacional de fim de semana. Teremos, então, o que já está sendo desenvolvido pela PREVI na Costa do Sauípe, um complexo hoteleiro de 36 hotéis, dos quais seis já estão operando, contando já com esse avião. De 1966 até aqui não foi paralisada a indústria aeronáutica. Ao contrário, o esforço é muito maior do que toda a soma do que se houve anteriormente ao Concord. A reunião de todo o esforço científico anterior ao Concord não é comparável ao que existe posteriormente a ele. Não se está anunciando nos alto-falantes, mas esse avião virá, e o mundo será menor, com distância máxima de 1 hora e 30 minutos para qualquer ponto. E o preço será o mesmo, tanto faz irmos para Maceió ou para Tóquio, pois serão gastos 15 minutos de hidrogênio, que mistura com oxigênio e gera água, em vez de se gastar hoje, daqui a Paris, 12 horas, queimando petróleo, com seis banheiros e duas cozinhas. Então, haverá mudanças no mundo. Para fazerem planejamento a longo prazo e conterem  a indústria de que estão lançando um Boeing novo... Vejam, desde o Concord, o Boeing muda pequenas coisas, por uma questão de  preservação do potencial técnico, de trabalho, de emprego.
Agora, respondida essa pergunta, e não querendo esfriar o debate, muito bem conduzido pelo Deputado Hélio Costa, houve mal entendimento de minha parte quando o comandante Baptista fala em 108 aeronaves a serem compradas. V.Sa. confirma, brigadeiro? E o Dr. Henrique Rzezinski, da EMBRAER, fala em pequena quantidade, doze aeronaves. Pode ser doze inicialmente, mas estamos falando em 108, gostaria que a EMBRAER esclarecesse.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Hélio Costa) – É uma pequena diferença de 2 bilhões e 300 milhões de dólares.

O SR. HENRIQUE RZEZINSKI – Não gostaria de entrar nesses detalhes, porque não podemos quebrar certa confidencialidade que a proposta exige. Disse apenas que essa quantidade inicial, para efeitos de fabricação nos moldes clássicos, é pequena. Não entrei no mérito do que aconteceria no futuro à medida que esse número aumentasse. Apenas fiz questão de frisar e me manter coerente com uma posição genérica que acho fundamental: desde o primeiro momento, é crítico que tenhamos domínio da tecnologia, porque o seu software é que nos permitirá fabricar cem, duzentos ou trezentos. Sem essa inteligência não existe fabricação.
Por outro lado, um pequeno lote inicial pode inviabilizar ou não um momento inicial de fabricação. Realmente é difícil travarmos debate sem entrar no mérito da proposta, e acho que não podemos entrar. Acho muito importante fixar esse conceito. O domínio da tecnologia possibilita a fabricação de centenas de aeronaves, possibilita nos mantermos no estado da arte na futura geração de aviação civil, fundamental para o futuro da indústria aeronáutica brasileira. Mais que isso, acredito ser fundamental porque é uma das grandes contribuidoras para desenvolvimento de pesquisa científico-tecnológica no País.
Neste momento é importante deixar claro que fabricar depende da tecnologia, porque só se fabrica aquilo que é competitivo para vender, seja na aviação civil, seja na militar. Ninguém vai comprar produto tecnologicamente obsoleto ou não em linha com aquilo que outros fabricantes são capazes de produzir. Acesso à tecnologia, complementaridade tecnológica são expressões críticas.  É ela que vai permitir fabricar não doze, mas centenas, milhares. Atualmente temos 1.200 aviões 145, entre fabricados e a fabricar. E só conseguimos essa fabricação porque tínhamos o domínio da tecnologia.

(...)

O SR. DEPUTADO WALDIR PIRES  – Sr. Presidente, V.Exa. sabe que a Casa nos atribui tarefas simultâneas, em locais diferentes. Por isso, cheguei atrasado a esta reunião e não me inscrevi para refletir e trocar idéias sobre o tema em debate.
Gostaria apenas de registrar minha satisfação a todos os que aqui compareceram, na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, com esta convocação de iniciativa do nosso companheiro. Devo dizer-lhes que seria conveniente marcarmos outra reunião, para aprofundarmos as satisfações, como mencionaram aqui o Dr. Henrique Rzezinski, o comandante Carlos Baptista, o tenente-brigadeiro Reginaldo dos Santos e o brigadeiro Fernando Antonio Cima. Percebi neles a satisfação de estarem realizando tarefa importante. E, efetivamente as tarefas só são importantes quando somos capazes de preservar o projeto nacional deste País.
O que se quer fazer com o Brasil? O que será o nosso País? Do contrário, poderemos ter um país que não corresponda as nossas esperanças, uma sociedade desarrumada e injusta que dê até a impressão, lá fora e aqui dentro, de ser aleijada na composição dos seus membros.
O projeto brasileiro passa pela compreensão dessa capacidade a que V.Sa. aludiu, Dr. Henrique Rzezinski. Precisamos deter, de forma organizada,  a capacidade de controlar e de dominar a inteligência tecnológica. Esses aspectos não podem ficar submetidos a interesses episódicos de mercado e de circunstâncias internacionais de momento. Não podemos ficar paralisados. Ou realizamos esse projeto juntos, defendendo-o em todos os setores da sociedade, ou evidentemente poderemos ter enorme desenvolvimento tecnológico aqui ou ali, mas vulnerável e incapaz de atender ao povo brasileiro e de servir a Nação brasileira.
Quer dizer, faríamos parte de um mundo de enorme tecnologia, de conquistas extraordinárias da inteligência, mas absolutamente incapaz de organizar interesses humanos e sociais. Por isso estamos assistindo a um quadro brutal de contemporaneidade com o desenvolvimento tecnológico e, ao mesmo tempo,  a exclusão crescente da humanidade.
De modo que, ouvindo a intervenção do Dr. Vicente Bicudo, a possibilidade de se realizar férias nas praias bonitas do Nordeste, disponíveis numa ida e vinda de 24 ou de 48 horas, seria como, quando e para que tipo de sociedade mundial simplesmente? É importante fazer essa reflexão com os membros do Congresso Nacional.
O Estado não pode ser omisso. A idéia de Estado nacional de abstenção em relação à vida e à direção do processo que o desenvolvimento realiza é compreensão absolutamente inadequada a um país como o Brasil, em que tudo quanto se realizou foi a base da construção maciça do Estado brasileiro.
Nossa grande missão é fazer deste País um Estado Democrático, onde os indivíduos e a Nação sintam-se e estejam protegidos; conseqüentemente, os direitos individuais e os desta Nação. Do contrário, perderemos o fio da história. Num caso desses, por exemplo, é essencial que se tenha uma visão estratégica. O que se quer que o Brasil venha a se tornar? De que forma o Brasil pode acompanhar o desenvolvimento tecnológico e alcançar objetivos de uma nação que partilhe das deliberações do mundo, se porventura não formos capazes de somar todas nossas energias? Portanto, não podemos ficar submetidos a critérios absolutamente econômicos ou financeiros. Quando a nossa economia não esteve a serviço de determinados fatores políticos? Sempre.
No fundo de qualquer decisão econômica e financeira, há sempre uma decisão política. O FMI não foi pensado para fazer o que vem fazendo. Ao longo do tempo, ele sofreu deformações decorrentes da pressão política exercida sobre seu destino de harmonia e, portanto, com a complacência de governos, que não pudemos admitir senão com o nosso combate, sempre que for viável, sempre que for possível.
Desejava apenas registrar minha satisfação com esta audiência pública e cumprimentar todos os convidados, com muito apreço, imaginando que nosso Presidente, que tem agido com eficácia e capacidade inovadora admiráveis, nos convoque para outra reunião, quando poderemos aprofundar mais o tema, de modo que o Congresso Nacional passe a ter a responsabilidade de representar a pluralidade das esperanças nacionais.
Muito obrigado.

(...)