O BRASIL trem JEITO?
(artigo)
O artigo
que segue foi publicado nas edições 168 e 169 (jun-jul/01) do Jornal do
Engenheiro e está aqui reproduzido (com adaptações mínimas) com fim unicamente
didático, para servir como leitura complementar à disciplina “Engenharia de
Tráfego e Transporte Urbano”, do Depto. de Engenharia Civil da Universidade
Mackenzie.
Vicente
de P. B. Bicudo - Arquiteto e Engenheiro
de Transportes.
O Sistema
Ferroviário Brasileiro é basicamente formado por sete malhas, privatizadas
entre 1996 e 1998. Por orientação do então Ministro dos Transportes, deputado Alberto Goldman, foram feitas sete
concorrências públicas para a concessão por 30 anos da operação de cargas, única
atividade rentável economicamente. No total, o Governo arrecadou R$1,5
bilhão.
Por
contrato, não ficou suficientemente definido quem seria o proprietário dos
investimentos a serem feitos pela operadora, como por exemplo: a aquisição de
um Centro de Controle Operacional, locomotivas e subestações. Isso inviabilizou
a modernização para atender às necessidades operacionais e ao mercado de cargas
para baixar o custo de vida.
Os
edifícios, todo o material rodante, instalações, infra-estrutura e operação do
transporte de passageiros, que não é rentável, permaneceram de propriedade e
responsabilidade da RFFSA (Rede Ferroviária Federal). Isso é o que o Governo
chama de privatização das ferrovias.
Faltou
também criar uma agência reguladora, nos moldes da Anatel, na privatização
das telecomunicações. Tal foi a ênfase dos problemas criados que agora foi
aprovado o projeto de lei que cria a Agência Nacional de Transportes
Terrestres, ainda aguardando a sanção do presidente FHC.
Conflitos
operacionais.
O
transporte de passageiros, pela diferença de velocidades e sobrecargas nos
trilhos, deve ser operado em via própria, não trafegada por trens de carga. No
Brasil, ao contrário, sempre se utilizou a mesma linha-tronco. Esse conflito
causou, por exemplo, a extinção do Trem de Prata Rio-São Paulo. Único a ter
operação privatizada, teve dobrado seu tempo de viagem, que passou para até 12
horas, inviabilizando-o economicamente. Hoje, apenas duas linhas de passageiros
estão em operação, ambas pela Companhia Vale do Rio Doce; uma liga Vitória a
Belo Horizonte e a outra vai de São Luís do Maranhão a Carajás, no Pará.
Com a
paralisação do serviço de passageiros, um patrimônio colossal ficou ocioso e
sem destino. Isso inclui enorme quantidade de imóveis pertencentes à RFFSA,
estações de passageiros, armazéns, residências de funcionários, subestações
elétricas, além dos próprios trens e rede elétrica da qual boa parte já foi furtada.
Esse patrimônio está perdulariamente desativado, deteriorando-se após recentes
investimentos em eletrificação feitos pela Fepasa, uma vez que a operadora de
cargas só traciona a diesel. Nas oficinas de Araraquara, a RFFSA tem
encaixotadas várias locomotivas elétricas novas que como todas as existentes do
gênero no País, estão sem destino.
A falta de
investimento na ferrovia, que nos últimos 40 anos não mereceu a atenção do
Estado, culminou com o sucateamento daquele que deveria ser um importante meio de
transporte de passageiros e de carga. Para solucionar o problema, conseguir
eficiência e competitividade, o Governo optou pela privatização do setor.
O processo foi anunciado com festa e comemorado pela indústria, que previu
grandes negócios com os novos operadores.
As
expectativas, contudo, logo foram frustradas pelo não-cumprimento das metas
estabelecidas nos contratos de concessão. No lugar de investimentos, material
ocioso, trens e trilhos abandonados e piora no serviço. Em 1998, 12 sindicatos
ferroviários elaboraram um relatório conjunto para o Congresso Nacional
sobre a “Privatização das Malhas Ferroviárias do Brasil”, afirmando que “nenhum
dos objetivos propostos pelo Governo foi atingido”. Os sindicatos defendem que
o Ministério dos Transportes “intervenha em todas as malhas que não cumprem as
obrigações contratuais, cassando todas as concessões”. A proposta é que a Rede
Ferroviária Federal volte a controlar as malhas no País.
No trecho
concedido à Ferroban entre Presidente Prudente e Álvares Machado, a ALL
(América Latina Logística do Brasil) está trocando na linha tronco os trilhos
deteriorados TR37 pelos de bom estado TR50 de um ramal secundário, que assim
será inviabilizado. Tal medida necessitaria de prévia autorização da RFFSA, já
que fere o contrato de concessão. Segundo o deputado Carlos Braga, membro da
Comissão de Transporte da Assembléia Legislativa de São Paulo, a CPI deverá
recomendar ao Tribunal de Contas da União, ao Ministério Público Federal e ao
Ministério dos Transportes a rescisão imediata da concessão da malha
ferroviária paulista para a Ferroban e a Novoeste. O Ministério Público Federal
já instaurou inquérito civil público para investigar a denúncia.
A
Privatização deveria gerar concorrência. No entanto, as empresas cedem
equipamentos e funcionários entre si e a ALL é presença constante em todas as
malhas. Outro ponto duvidoso no processo de privatização é a tão
decantada concorrência, que substituiria o monopólio estatal. A ALL, que em
inglês significa “tudo”, está presente em todas as malhas nacionais, sendo uma
transnacional que opera também na Argentina.
Segundo
líder ferroviário do Sindicato dos Ferroviários da Sorocabana, “entre os
operadores, é um espanto ver como são cooperativas umas com as outras e a
constante presença da ALL”. E ele complementa: “Um investe no trecho do outro,
cede máquina, equipamento e funcionários, que recebem ordem de outra empresa,
quase sempre da ALL. O funcionário já não sabe a quem obedecer. As operadoras
têm o mesmo comportamento, propostas, acordos coletivos idênticos etc”. O
atencioso leitor, melhor informado, poderia nos esclarecer?
Depende de
nós, mas o Brasil trem jeito!
Comentário do sindicato:
A ANTT foi criada em 05/06/2001. Este artigo, publicado no mesmo ano, é um pouco anterior a tal criação. O engenheiro e arquiteto Vicente de P. B. Bicudo acompanhou a luta dos sindicatos contra a privatização, e esteve nela presente de corpo e alma.
Comentário do sindicato:
A ANTT foi criada em 05/06/2001. Este artigo, publicado no mesmo ano, é um pouco anterior a tal criação. O engenheiro e arquiteto Vicente de P. B. Bicudo acompanhou a luta dos sindicatos contra a privatização, e esteve nela presente de corpo e alma.
Sindicato dos Ferroviários da Sorocabana - São
Paulo TREM Jeito