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segunda-feira, 2 de abril de 2012

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA ESTRUTURA SOCIAL URBANA


Vicente de Paulo Borges Bicudo
5o. ano – FAUUSP, 1964 – para Prof. Juarez Brandão Lopes e Gabriel Bolaf

            Da decoração ao urbanismo, a Arquitetura é organização de espaço para o homem, variando a escala do projeto e a dimensão abordada. Mas para que homem?
            O homem varia com a História, há desenvolvimento econômico, social, cultural e científico. Einstein afirma que: “O tempo é relativo – e relativos também são os acontecimentos chamados ‘simultâneos’. Não existe um tempo universal,mas sim um tempo para cada observador.”
            O tempo em que vou colocar-me é o mesmo em que estou, o que vivo, conheço e posso traçar uma perspectiva de história, não sei se a real. Mas creio que a atitude do urbanista é a de garantir a maior e melhor longevidade de sua obra, desde que ela se justifique a partir do presente. E, se realmente ele, paralelamente ao desenvolvimento, acreditar na História como Heródoto, terá que admitir que sua obra tem um tempo de vida finito.
            Os critérios do Urbanismo quadriculado de Hipódamo de Mileto (Pireu, Túrios e Rodes) vão há quinze séculos atrás; no entanto em nosso século, com outros dados formulando novos problemas, vemos cidades surgidas ainda naquele geometrismo injustificadamente. Foram assim planejadas, de acordo com as “Leis das Índias”, as cidades coloniais espanholas, hoje com um urbanismo falido.
            Discussões várias surgiram: cidade “vertical”(Le Corbusier) ou “horizontal” (Wright), uma cidade “superconcentrada” ou “dispersa”.
            Antigamente tínhamos as cidades só na horizontal: “quadriculadas (egípcios, gregos, romanos e americanos contemporâneos) ou radiais (hititas, assírios e renascentistas), que já não servem para solucionar o complexo urbano de hoje” (Gillo Dorfles). Será isto urbanismo?
            Das cidades enfumaçadas e congestionadas da Revolução Industrial, os ingleses reagiram violentamente com Ebenezer Howard projetando as cidades-jardim. Do “caos” eles passaram a ter a angústia, reação oposta. Agora em Hook e Cumbernoldt os urbanistas ingleses vão aproximando-se do equilíbrio: há o centro movimentado (“coração”) e as áreas residenciais repousante. Este “coração” é destinado a ser vivido socialmente pelo homem, livre do tráfego e das zonas industriais; é a reformação da consciência coletiva, debatida no Congresso CIAM de 1953. É o que se fez na reconstrução de Coventry, Hiroshima e Colônia, aliás, era intenção do que foi feito. E a falta deste centro social urbano é considerada pelos americanos (especialmente Lewis Mumford) como um prejuízo para sua civilização.
            Segundo Louis Wirth, o começo do que há de distintamente moderno em nossa civilização se caracteriza pelo surto das grandes cidades. Agora enfrentaremos o problema da escala. Entre um centro social para uma cidade do interior brasileiro e São Paulo existe muita diferença. Na pequena cidade interiorana os habitantes se conhecem e em se encontrando estabelecem relações sociais. Os habitantes de São Paulo, pela quantidade, se desconhecem e, pela sua heterogeneidade, dificilmente dois quaisquer terão afinidades, pela dimensão da cidade dificilmente dois que têm afinidades se encontraram casualmente; assim, a estrutura social das grandes cidades fica restrita às menores relações sociais. Se criássemos um centro social para uma cidade do porte de São Paulo os indivíduos de afinidades se diluiriam e seriam tragados pela massa habitacional, jamais se encontrando com a coletividade também, porque na nossa sociedade (paulista) há heterogeneidade, contrastes e falta um elo entre a micro-estrutura social (a família) e a coletividade.
            Na grande cidade não haverá na prática “core”; só será possível “cores”. Do problema da escala é que nasceram as cidades nucleadas: a grande cidade (planeta) e as satélites. Ao se dar esta estrutura cósmica tentou-se obter a escala possível à existência de “cores”e centros. O conceito mais avançado disto é Brasília: da super-quadra até às cidades satélites, parece-me a de maior e melhor longevidade histórica.
            Na pequena cidade o “core” nasce naturalmente. Assim é que temos nas nossas cidades interioranas as praças fronteiriças à matriz, onde a banda de música toca no coreto e as moças andam em volta da praça em um único sentido, os rapazes ficam parados olhando e quando andam o fazem em sentido contrário, como anéis concêntricos em sentidos opostos; ou conversa-se parado ou senta-se nos bancos. É o footing de rua:onde os rapazes ficam parados em alas e as moças andam pelo meio, quer em ruas com o trânsito especialmente impedido para isto, quer nas calçadas. Isto todos os feriados após o jantar, com a roupa domingueira. Havia isto nos bairros de São Paulo, e desapareceu com o crescimento e entrosamento destes entre si e o centro da cidade.
            Numa sociedade economicamente de competição com desníveis enormes, dificilmente pela simples razão de morarem próximos ou no mesmo núcleo os indivíduos teriam afinidades sociais. Quis Lúcio Costa nos clubes de super-quadra estruturar esta sociedade no presente. Mas não lhe foi dada esta chance, a sociedade não só foi separada em super-quadras como também ao pobre não foi dado lugar na cidade.
            É nas associações, nos clubes e no trabalho os únicos lugares em que as grandes cidades têm tido organizações sociais maiores. A maneira com que vêm eles sendo feito (a discriminação econômica) impede a formação do senso de coletividade e a existência do clube para os de menor posse. Foi pela prefeitura do município de São Paulo, na primeira gestão de Prestes Maia, reservada uma grande faixa às margens do rio Tietê para um parque náutico, estádios varzeados e quadras para os diferentes esportes. Na Europa há quadras públicas de esporte em que o público paga uma taxa, aluga material esportivo e pratica o esporte que lhe desejar.  O que vemos aqui  é o indivíduo e a família desligado socialmente, mofado no seu habitat e torturado pela cidade que é uma máquina estúpida, desorganizada e indomável (horrorosa).
            De uma consciência geral do problema, amplo para poder ser colocado em poucas linhas, poderia pensar-se numa melhor estrutura social urbana. Mas há aqueles que pensam como Le Corbusier, Wright, Tony Garnier (cidade linear), Gropius, Patrick Abercombie (Londres), Lewis Mumford etc.; a eles a nossa atenção.
            O escritor belga Maeterlinck fecha seu livro sobre a vida das abelhas assim:
            “As abelhas não sabem se comerão o mel que recolhem. Nós ignoramos, igualmente, quem tirará proveito da potência espiritual que introduzirmos no universo. Do mesmo modo pelo qual as abelhas vão de flor em flor, recolhendo mais mel do que necessitam para elas e para seus filhos, busquemos também na realidade, tudo o que possa alimentar essa chama incompreensível... Chega então um momento em que tudo se converte tão naturalmente em bem, para um espírito que se haja submetido à boa vontade do dever realmente humano, que a própria suspeita de que os esforços que realiza talvez não tenham objetivo, torna ainda mais claro, mais puro, mais desinteressado, mais penetrante e mais nobre o ardor de suas investigações.”