Vicente de Paulo Borges Bicudo
5o. ano – FAUUSP, 1964 – para Prof. Juarez Brandão Lopes e Gabriel Bolaf
Da
decoração ao urbanismo, a Arquitetura é organização de espaço para o homem,
variando a escala do projeto e a dimensão abordada. Mas para que homem?
O
homem varia com a História, há desenvolvimento econômico, social, cultural e
científico. Einstein afirma que: “O tempo é relativo – e relativos também
são os acontecimentos chamados ‘simultâneos’. Não existe um tempo universal,mas
sim um tempo para cada observador.”
O
tempo em que vou colocar-me é o mesmo em que estou, o que vivo, conheço e posso
traçar uma perspectiva de história, não sei se a real. Mas creio que a atitude
do urbanista é a de garantir a maior e melhor longevidade de sua obra, desde
que ela se justifique a partir do presente. E, se realmente ele, paralelamente
ao desenvolvimento, acreditar na História como Heródoto, terá que admitir que
sua obra tem um tempo de vida finito.
Os
critérios do Urbanismo quadriculado de Hipódamo de Mileto (Pireu, Túrios e
Rodes) vão há quinze séculos atrás; no entanto em nosso século, com outros
dados formulando novos problemas, vemos cidades surgidas ainda naquele
geometrismo injustificadamente. Foram assim planejadas, de acordo com as “Leis
das Índias”, as cidades coloniais espanholas, hoje com um urbanismo falido.
Discussões
várias surgiram: cidade “vertical”(Le Corbusier) ou “horizontal” (Wright), uma
cidade “superconcentrada” ou “dispersa”.
Antigamente
tínhamos as cidades só na horizontal: “quadriculadas (egípcios,
gregos, romanos e americanos contemporâneos) ou radiais (hititas, assírios e
renascentistas), que já não servem para solucionar o complexo urbano de hoje”
(Gillo Dorfles). Será isto urbanismo?
Das
cidades enfumaçadas e congestionadas da Revolução Industrial, os ingleses
reagiram violentamente com Ebenezer Howard projetando as cidades-jardim. Do
“caos” eles passaram a ter a angústia, reação oposta. Agora em Hook e Cumbernoldt
os urbanistas ingleses vão aproximando-se do equilíbrio: há o centro
movimentado (“coração”) e as áreas residenciais repousante. Este “coração” é
destinado a ser vivido socialmente pelo homem, livre do tráfego e das zonas
industriais; é a reformação da consciência coletiva, debatida no Congresso CIAM
de 1953. É o que se fez na reconstrução de Coventry, Hiroshima e Colônia,
aliás, era intenção do que foi feito. E a falta deste centro social urbano é
considerada pelos americanos (especialmente Lewis Mumford) como um prejuízo
para sua civilização.
Segundo
Louis Wirth, o começo do que há de distintamente moderno em nossa civilização
se caracteriza pelo surto das grandes cidades. Agora enfrentaremos o problema
da escala. Entre um centro social para uma cidade do interior brasileiro e São
Paulo existe muita diferença. Na pequena cidade interiorana os habitantes se
conhecem e em se encontrando estabelecem relações sociais. Os habitantes de São
Paulo, pela quantidade, se desconhecem e, pela sua heterogeneidade,
dificilmente dois quaisquer terão afinidades, pela dimensão da cidade
dificilmente dois que têm afinidades se encontraram casualmente; assim, a
estrutura social das grandes cidades fica restrita às menores relações sociais.
Se criássemos um centro social para uma cidade do porte de São Paulo os
indivíduos de afinidades se diluiriam e seriam tragados pela massa
habitacional, jamais se encontrando com a coletividade também, porque na nossa
sociedade (paulista) há heterogeneidade, contrastes e falta um elo entre a
micro-estrutura social (a família) e a coletividade.
Na
grande cidade não haverá na prática “core”; só será possível “cores”. Do
problema da escala é que nasceram as cidades nucleadas: a grande cidade
(planeta) e as satélites. Ao se dar esta estrutura cósmica tentou-se obter a
escala possível à existência de “cores”e centros. O conceito mais avançado
disto é Brasília: da super-quadra até às cidades satélites, parece-me a de
maior e melhor longevidade histórica.
Na
pequena cidade o “core” nasce naturalmente. Assim é que temos nas nossas cidades
interioranas as praças fronteiriças à matriz, onde a banda de música toca no
coreto e as moças andam em volta da praça em um único sentido, os rapazes ficam
parados olhando e quando andam o fazem em sentido contrário, como anéis concêntricos
em sentidos opostos; ou conversa-se parado ou senta-se nos bancos. É o footing
de rua:onde os rapazes ficam parados em alas e as moças andam pelo meio, quer
em ruas com o trânsito especialmente impedido para isto, quer nas calçadas.
Isto todos os feriados após o jantar, com a roupa domingueira. Havia isto nos
bairros de São Paulo, e desapareceu com o crescimento e entrosamento destes
entre si e o centro da cidade.
Numa
sociedade economicamente de competição com desníveis enormes, dificilmente pela
simples razão de morarem próximos ou no mesmo núcleo os indivíduos teriam
afinidades sociais. Quis Lúcio Costa nos clubes de super-quadra estruturar esta
sociedade no presente. Mas não lhe foi dada esta chance, a sociedade não só foi
separada em super-quadras como também ao pobre não foi dado lugar na cidade.
É nas
associações, nos clubes e no trabalho os únicos lugares em que as grandes
cidades têm tido organizações sociais maiores. A maneira com que vêm eles sendo
feito (a discriminação econômica) impede a formação do senso de coletividade e
a existência do clube para os de menor posse. Foi pela prefeitura do município
de São Paulo, na primeira gestão de Prestes Maia, reservada uma grande faixa às
margens do rio Tietê para um parque náutico, estádios varzeados e quadras para
os diferentes esportes. Na Europa há quadras públicas de esporte em que o
público paga uma taxa, aluga material esportivo e pratica o esporte que lhe
desejar. O que vemos aqui é o indivíduo e a família desligado
socialmente, mofado no seu habitat e torturado pela cidade que é uma máquina
estúpida, desorganizada e indomável (horrorosa).
De
uma consciência geral do problema, amplo para poder ser colocado em poucas
linhas, poderia pensar-se numa melhor estrutura social urbana. Mas há aqueles
que pensam como Le Corbusier, Wright, Tony Garnier (cidade linear), Gropius,
Patrick Abercombie (Londres), Lewis Mumford etc.; a eles a nossa atenção.
O
escritor belga Maeterlinck fecha seu livro sobre a vida das abelhas assim:
“As
abelhas não sabem se comerão o mel que recolhem. Nós ignoramos, igualmente,
quem tirará proveito da potência espiritual que introduzirmos no universo. Do
mesmo modo pelo qual as abelhas vão de flor em flor, recolhendo mais mel do que
necessitam para elas e para seus filhos, busquemos também na realidade, tudo o
que possa alimentar essa chama incompreensível... Chega então um momento em que
tudo se converte tão naturalmente em bem, para um espírito que se haja
submetido à boa vontade do dever realmente humano, que a própria suspeita de
que os esforços que realiza talvez não tenham objetivo, torna ainda mais claro,
mais puro, mais desinteressado, mais penetrante e mais nobre o ardor de suas
investigações.”